O espetáculo nos remete à pergunta spinozista acerca de "o que pode um corpo?" Só sabemos algo de um corpo quando sabemos o que ele pode ou mesmo do que ele é capaz, ou seja, quais são seus afectos, como eles se compõem, ou não, com outros afectos de outro corpo, quer para destruí-lo ou ser por ele destruído ou ainda para trocar com esse corpo ações e paixões, compondo com ele um corpo mais potente. É nesse sentido, diz Deleuze, que Spinoza escreve uma verdadeira Ética.
O corpo do outro atinge o estágio semelhante ao dos elementos que não têm mais forma, sendo, pois, absolutamente abstratos, mesmo que sejam perfeitamente reais. Distingue-se, nesse espetáculo, somente o movimento e o repouso, a velocidade e a lentidão dos corpos. Movimentos executados com perfeição, mas uma perfeição que implica a assimetria ou a discrepância das formas. Plano de composição acentrado, no qual a cada relação de movimento e repouso, velocidade e lentidão que conjuga infinitas partes, equivale a um grau de potência. Relações de composição e de decomposição que modificam os corpos. Intensidades que afetam os corpos, aumentando ou mesmo diminuindo sua potência de agir, de se mover. Relações que vêm de fora ou mesmo de suas próprias partes. Devires ou afetos que atravessam os corpos em movimentos acentrados.
Extraordinários grafismos são projetados e diagonais de luz traçam alguns dos percursos utilizados pelos intérpretes. A música de Bernardo Gebara traz uma sonoridade que irradia camadas horizontais e cortes verticais. Blocos sonoros liberam linhas diagonais; verdadeiras proliferações ou microproliferações lineares. Atuação excelente dos intérpretes e movimentos excepcionais do convidado, Alexandre Franco, cuja leveza não impede a intensidade.
O espetáculo atinge a pura informalidade que se expressa nos agenciamentos multilineares dos corpos ou nas diagonais da música e da luz, uma involução criadora em constante devir.
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