sexta-feira, 24 de agosto de 2007

A nau da criação

Ao serem obrigados a fechar as portas das livrarias Ler devagar e Eterno retorno e sair do Bairro Alto em Lisboa, os sócios José Pinho e o Professor de Filosofia, Dr. Nuno Nabais, não adotaram o caminho que seria natural a quem se encontrasse em situação semelhante: o encerramento de suas atividades. Ao contrário disso, eles se desviaram desse caminho e optaram por reunir as duas livrarias na antiga Fábrica de Braço de Prata em Lisboa, num ato de resistência ao quase inevitável encerramento das atividades da livraria.

Tal resistência faz parte do abrangente projeto dos sócios, que integra as livrarias às exposições de arte, filmes, debates, conferências, lançamentos de livros, que aconteciam nos antigos endereços das livrarias e que agora ganharam um território maior: as doze salas onde outrora se produziam armas de guerra e que doravante recebem nomes de escritores e pensadores.

A batalha que se trava hoje nesta antiga fábrica de armamentos, desativada na década de 90, é outra: não se trata de manter o que é tradicionalmente conhecido por cultura, mas sim de criar uma alternativa àqueles que não acreditam mais na cultura, pois como afirma o Professor Nuno: “Todas as alternativas já foram integradas pela chamada 'cultura'. E esta livraria é feita justamente para os que já estão cansados dessa tal 'cultura'...”. Nessa máquina de guerra nômade montada pelos dois sócios, o que se respira são livros, obras de arte, além de filmes, performances, espetáculos de dança, teatro, música e poesia.

Tal máquina encanta a todos os que por ali circulam e que já se habituaram com as freqüentes mudanças de endereço das livrarias. A livraria Eterno retorno se encontrava, inicialmente, na Rua de S. Boa Ventura (2001 - 2005), depois se mudou para a Experimenta design (Palácio de Sta. Catarina, Set/ Out - 2005) e posteriormente passou a ser na Rua da Barroca (Galeria Zé dos Bois), após se fundir com a Ler devagar. A partir daí, as duas livrarias se mudaram para a Rua da Rosa (Jan-Junho de 2007), e atualmente se encontram na Fábrica de Braço de Prata.

A resistência ao encerramento de um projeto desse porte levou os sócios a aceitar voluntários que reconheceram o esforço deles nesse empreendimento. Parte dessa resistência compreende a oportunidade que as pessoas têm, nessa fábrica, de encontrar uma variedade de livros nas áreas das ciências humanas, literatura, poesia, cinema, teatro, filosofia, fotografia, design, artes plásticas, arquitetura e dança.

Nessa "condição pré-apocalíptica", como define o Professor Nuno, algumas pessoas pensam que se trata de uma performance, já que o território das livrarias ainda não foi definido, pois o contrato que eles mantêm com a fábrica é o de comodato, no qual eles podem usufruir das doze salas desde que cuidem da manutenção da fábrica.

A livraria navega no melhor estilo da tradicional nau portuguesa que, eternizada nos versos de Camões: "Partia alegremente, navegando,/ a ver as naus ligeiras Lusitanas..." (Os Lusíadas). Todavia nessa aventura do espírito, essa máquina, ou nau nômade, além da conquista de um território, sobretudo, resiste à cultura dominante e cria algo novo.

Durante esse fim-de-semana e na próxima sexta-feira (dia 31) na Fábrica braço de prata haverá uma homenagem aos cineastas Michelangelo Antonioni (1912-2007), com a exibição de Blow up, e Ingmar Bergman (1918-2007) - A fonte da donzela e terá ainda concertos de música. Para conferir a programação completa e o endereço, acesse: Fábrica braço de prata. A Fábrica funciona de 5ª a sábado, das 20h às 2h, domingo das 16h às 22h. Tel: 21868105

Acima, detalhes das fotos, extraídas do site da cadeia de televisão portuguesa SIC, da livraria e dos sócios Nuno Nabais e José Pinho. Fotos de Um olhar a cada dia. Para ver a reportagem com o vídeo, acesse: Projeto cultural "de alterne".

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