domingo, 10 de outubro de 2010

Carta aberta de Suely Rolnik sobre as Eleições


Segue abaixo a Carta Aberta da Professora Dra.Suely Rolnik (PUC-SP) sobre as Eleições 2010. A motivação da Carta foi a preocupação de Suely com a demissão de Maria Rita Khel do Jornal O Estado de São Paulo, após ter expressado sua perspectiva em relação às Disputas Eleitorais e o papel que a Imprensa Oficial vem exercendo ao longo do Processo Eleitoral, também conhecido como PIG ("Partido da Imprensa Golpista"). A demissão de Maria Rita Kehl soou para Suely como uma espécie de "censura", algo que ocorria durante a Ditatura Militar. A Imprensa que acusava o Governo de censura, parece agora exercer o mesmo papel do Governo Militar. Apesar de as Eleições ainda não terem sido definidas...
Abaixo do artigo encontram-se links para o texto de Maria Rita Khel e para uma Lista das Realizações do Governo Lula comparadas às de FHC. Sou grata à Professora Suely por autorizar a publicação de seu artigo nesse Blog.
"São Paulo, 7 de outubro de 2010
Caros,
Vale a pena ler o excelente e corajoso texto que Maria Rita Khel publicou em sua coluna no Estadão na véspera do primeiro turno (segue abaixo). Para os que não sabem, a publicação deste texto lhe valeu sua demissão do jornal. A censura ao exercício do pensamento que representa sua demissão (do tipo velhos métodos, não tão longínquos quanto gostaríamos), teve como objeto o simples fato de uma jornalista (diga-se de passagem, de alta respeitabilidade, também como intelectual e psicanalista) ter ousado expressar uma mínima parcela do que todos nós temos obrigação de pensar, face à situação perigosamente perversa que vem se apresentando nestas eleições.
Não podemos bobear de agora até o segundo turno (pelo menos). Estejamos alertas aos estragos provocados pelo monopólio da informação em nosso país (o tal PIG: Partido da Imprensa Golpista), que expressa os interesses de apenas uma parcela mínima da população, profundamente bichada por uma irresponsabilidade e uma ignorância seculares. Um monopólio que convoca o que temos de mais reativo: a memória colonial e escravocrata inscrita em nossos corpos de classe média e elite brasileiras, amputada de sua dimensão de vida pública, intoxicada de preconceitos de classe e de raça, etc., etc. Sintomas de um narcisismo ancestral, que se aterroriza face à desestabilização de nossos contornos, que a pulsação da alteridade promove necessariamente em nossa subjetividade; um terror do qual temos a ilusão de nos proteger, ao projetá-lo sobre nossos (não tão) outros, com nojo, ódio e desprezo (mesmo quando, no melhor dos casos, este sentimento se transveste da inofensiva e estéril bondade politicamente correta). São estes microfascismos que estão subindo à superfície midiática sem disfarce, sem o menor pudor e cada vez mais violentamente. O buraco de onde emergem estas forças reativas está bem mais embaixo do que o simples ódio ao PT ou à Dilma. Este é apenas sua atualização mais explícita no momento. E é isto o que nos deixa perplexos e, sobretudo, nos assusta.
Ativemos nosso senso de responsabilidade na construção da realidade (que nada mais é que nossa responsabilidade perante a vida), senso tão debilitado na história que nos constitui. Não podemos responsabilizar um candidato ou um partido pela corrupção que certos “elementos” do mesmo possam ter cometido, senão teríamos que responsabilizar todos aqueles que participam ou participaram do Estado brasileiro, desde a fundação da República (equívoco que funda a triste opinião, bastante comum em nosso país, de que todos os políticos são igualmente corruptos e oportunistas, e que a política não tem outro sentido, senão o de servir os interesses desta corja). É ridículo cairmos neste argumento da mídia, que explora a despolitização doentia de nosso país. Tampouco podemos decidir nosso voto em função de nossa simpatia ou antipatia por este ou aquele candidato, mas sim em função de nossa maior ou menor identificação com um projeto político e de nosso desejo de que este projeto se imponha na condução de nosso destino, a cada momento que nos é dada a possibilidade de escolha.
Não estou me referindo a projeto político no sentido de um puro blábláblá retórico e/ou ideológico, mas daquilo que, de fato, se traduz na ação de um partido, impulsionada pelo reconhecimento dos problemas reais de nosso país. Votarei na Dilma baseada naquilo que o governo regido pelo PT sob a presidência de Lula realizou neste 8 anos (segue, em anexo, uma lista mínima destas realizações, comparadas às do governo FHC, que circulou na internet antes do primeiro turno). Sabemos dos grandes avanços conquistados, seja por nossa própria participação direta ou indireta nas diferentes ações levadas nas áreas da educação, saúde, cultura, economia, etc., seja pela participação de amigos ou amigos de amigos (já que não temos quaisquer outros meios de informação). Foram muitas, mas muitas mesmo, as pessoas que vararam noites e mais noites, anos a fio, para fazer mover o mais que pudessem o estado de inércia patológica do pensamento no Brasil pós-ditadura, de modo a abrir espaços inéditos de exercício democrático, na reinvenção permanente de nossas existências individual e coletiva, em função do que a vida nos indica e nos exige, quando nos dispomos verdadeiramente a escutá-la.
Infelizmente, a grande maioria não tem acesso a estas informações, exatamente em razão do poder absoluto do tal PIG no Brasil (aliás, nesse aspecto, nosso país se distingue de quase todo o resto do planeta, a começar por nosso próprio continente). Muitos de nós nos angustiamos com esse monopólio descarado da informação que tem emporcalhado de microfascismos as páginas dos jornais e revistas e a tela das TVs, mas na hora H as forças reativas tendem a vencer em nós mesmos, talvez por nossa incapacidade de lidar com o que nos causa tamanho desconforto com a situação atual, um desconforto que, inclusive, traz à tona a memória do trauma da ditadura, que até hoje não conseguimos sequer começar a elaborar. É patético, por exemplo, deixarmos passar a operação sinistra do pior de nossas elites, via mídia, que transforma a resistência à ditadura em coisa de vagabundos, bandidos e assassinos (o que é mais espantoso ainda, quando esse tipo de argumento é usado para a campanha eleitoral de um candidato que tem um “passado de esquerda” e o reivindica como parte de seu show). Morro de vergonha.
Espero que se multipliquem, cada vez mais, as vozes que ousam manifestar-se contra esta situação, como vem ocorrendo pelo menos via internet, esta zona franca que escapa por todos os lados ao confinamento imposto pelo PIG".
Suely Rolnik
Link para o artigo de Maria Rita Khel: "Dois pesos".