terça-feira, 31 de julho de 2007

Entre o "eros" e os demônios

Abaixo e ao lado os cineastas Ingmar Bergman (1918-2007) e Michelangelo Antonioni (1912-2007) Fotos: AP/ Reuters, respectivamente.
As vidas de duas individualidades tiveram, essa semana, sua interrupção pelo afrontamento com a morte. Acontecimento singular, no qual a vida de Antonioni, revelada por sua morte, sucedeu à morte, anunciada poucas horas antes, de Bergman.
Mesmo que a morte seja o limite de todo pensamento e de toda experiência e, ao mesmo tempo, o impensável, o inexperimentável, o inominável, o que não conseguimos olhar fixamente, ela não é um destino ou um fim, nem mesmo a deploração de nossa finitude. É enquanto impessoal que a morte acontece, se desliga do sujeito que a afeta, embora seja unicamente sua. O inexprimível eu morro se desvia para um morre-se. Nessa metamorfose do eu com o ele se encontra o moribundo da morte.
A morte só adquire sentido por revelar a vida. Uma vida se encontra em todos os lugares, em todos os momentos que atravessam os vivos, por isso não é preciso conter uma vida no momento em que ela afronta a morte universal. A vida é imanente a todos os vivos, acontecimento que atualiza e atravessa toda individualidade.
As vidas desses dois grandes mestres serão sempre atualizadas pelo legado de suas obras. O que eles nos deixaram sucederá gerações porvir e jamais recairá nesse afrontamento da morte universal.
Duas vidas, duas singularidades, cada um desses cineastas, a seu modo, transpôs magistralmente para as telas diferentes situações do sofrimento e da condição humana. Em Antonioni há uma constatação de que o eros está doente, estamos doentes de eros, como nos diz Gilles Deleuze: "o que se tornou o amor para que homens e mulheres saiam dele tão enfermos, agindo e reagindo mal no início e no fim, numa sociedade corrompida?" (Imagem-tempo). Bergman nos ensinou a extrair o melhor do sofrimento e, no seu caso, dos demônios pessoais que o atordoavam.
Esses grandes mestres podem não estar mais presentes de corpo, mas suas almas, certamente, permanecerão em suas obras. Gostaria de manifestar minha profunda gratidão e respeito pelos seus trabalhos, obrigada por deixarem tanta beleza e força, tamanha inspiração!
Antonioni e Bergman: céu vazio - aion!

domingo, 22 de julho de 2007

O caráter impessoal da linguagem

Ao lado e abaixo, detalhes das fotos de divulgação. Fotos Um olhar a cada dia.
Está em cartaz, no Espaço Sesc Copacabana, o monólogo estrelado por Ana Kfouri O animal do tempo. Sob a direção primorosa de Antônio Guedes, que coloca em cena a atriz apresentando a primeira parte do Discurso aos Animais, de Valère Novarina (1947-), de modo vibrante, seco, sem exageros, precisamente, para que a potência de Kfouri se evidencie na excelente interpretação do texto. A pronúncia das palavras e das frases, que não obedece necessariamente à gramática, ganha toda sua força na voz de Kfouri, cujos deslocamentos em cena se distribuem magistralmente, de modo a prender toda a atenção do espectador. O espaço é preenchido pela luz, que acompanha perfeitamente os movimentos da atriz; por páginas soltas muito bem distribuídas em parte do cenário; e pelo acordeão, de onde a música ressoa em momentos muito pontuais do espetáculo, eventualmente se compondo com as falas de Kfouri.
A dramatização, diferente de uma mera representação, que reclama o texto, é ressaltada pela impessoalidade da personagem, cuja pluralidade de nomes evoca uma ausência central de sujeito, ou se preferirmos, um estágio pré-individual, a-subjetivo. Essa impessoalidade ou individuação, da qual fala Novarina, se encontra essencialmente no extremo limite entre a vida e a morte. O impessoal escapa às formas lingüísticas e extrapola a sintaxe, arrastando a língua para fora de seus sulcos, levando-a ao delírio, como se o escritor tivesse criado outra língua no interior da sua ou estivesse escrevendo em uma espécie de língua estrangeira.
Toda essa agramaticalidade só é percebida pela impecável tradução de Ângela Leite Lopes que possibilita a fluência do sentido em nossa língua, permitindo a gagueira que a língua tem direito, levando-a ao assintático ou agramatical, o próprio balbucio das palavras.
O espetáculo fica em cartaz até 29 de julho de 2007, no Espaço SESC - Rua Domingos Ferreira, 160 – Sala Multiuso – 45 lugares Copacabana - Rio de Janeiro - Tel:2547 0156/ http://www.sescrio.org.br/. De sexta a domingo – (6ª e sáb - 20h e dom - 19h) Duração: 55’ Censura: 16 anos Ingressos: R$ 6, R$ 3 (meia entrada para estudantes e idosos) e R$ 1,50 (comerciários)

sexta-feira, 20 de julho de 2007

O eterno retorno das paixões

Teve início ontem na Fábrica Braço de Prata em Lisboa, antigo estabelicimento militar desativado na década de 90, onde funciona atualmente a junção das livrarias Ler devagar e Eterno retorno, as atividades desta semana. Escritores, pensadores e cineastas dão nome às salas de cinema, de teatro e de artes plásticas onde acontecem diferentes atividades como música, dança, teatro, exposições, debates e conferências.
O espaço, idealizado pelo Professor de Filosofia, Dr. Nuno Nabais (Universidade de Lisboa) em conjunto com José Pinho da Ler devagar, pretende retomar a antiga ambiência lisboeta de alguns cafés como ler, estudar, conversar e pensar. Além de retomar esses hábitos culturais é possível ainda, participar das atividades ou simplesmente tomar um café. O importante é retomar a paixão ou o "Eterno Retorno da paixão pelas Ideias".
As atividades desse fim-de-semana serão distribuídas quase que simultaneamente entre as salas Nietzsche, Deleuze e Visconti e envolvem música, lançamento do livro de poesia Órbitas primitivas de Paulo Renato, debate sobre o Le monde diplomatique e a exibição completa do Abécédaire de Gilles Deleuze, conversa com Claire Parnet, onde o pensador aborda temas variados que vão de A a Z. As atividades se iniciam a partir das 21:30hs e vão até amanhã, 21/07/2007.
A Fábrica braço de prata funciona de 4ª a Sábado das 20h às 2h, Domingos das 16h às 22h Estacionamento privativo/ vagas para mais de 200 carros. Maiores informações, tel: 218686105 ou acesse: http://www.bracodeprata.org/.
Confira abaixo a programação desse fim-de-semana:
Quinta-feira, 19 de Julho às 22h na Sala Nietzsche, Concerto Moi non Plus com Ian Mutznik (guitarra e voz), Catherine Morisseau (piano), Luis Bastos (clarinete), Nuno Reis (trompete), Eduardo Lálá (trombone), Rui Alves (bateria). Às 24h na Sala Visconti, Abécédaire de Gilles Deleuze (1ª parte completa - 7h30min.) com Gilles Deleuze e Claire Parnet. Sexta-feira, 20 de Julho às 21h30 na Sala Deleuze, Debate "Le Monde Diplomatique" com António Figueira, Nuno Teles, Pedro Nuno Santos e Ricardo Paes Mamede. Às 22h na Sala Nietzsche, Lançamento do livro de Poesia Órbitas Primitivas de Paulo Renato (Quasi, 2007). Às 24h na Sala Nietzsche, Concerto de música improvisada com Ernesto Rodrigues (Viola), Carlos Santos (Electrónica), Bruno Parrinha (Clarinete Alto). Sábado, 21 de Julho às 23h na Sala Nietzsche, Concerto Jazz com Filipe Melo (piano), Bruno Santos (guitarra), Às 24h na Sala Visconti, Abécédaire de Gilles Deleuze (3ª parte completa - 7h30min.) com Gilles Deleuze e Claire Parnet.

quinta-feira, 12 de julho de 2007

O cinema porvir de Peter Greenaway

Ao lado e abaixo, detalhes das fotos de Greenaway durante a conferência. Fotos Um olhar a cada dia, extraídas do site do evento. Confira ainda neste blog, vídeo com Greenaway realizado durante o evento.
O Brasil recebeu, essa semana, o grandioso artista inglês Peter Greenaway. Cineasta, diretor, escritor, formado em Artes Plásticas, Greenaway é um artista completo. Na última terça-feira, 10 de Julho, o grande diretor de cinema proferiu, no Salão de Atos da UFRGS, a conferência O cinema morreu. Vida longa ao cinema. Sua conferência faz parte do evento Fronteiras do pensamento, realizado pelo Projeto Copesul Cultural, que conta com a parceria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) e Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Três filmes do diretor foram também exibidos na Cinemateca Paulo Amorim: A Barriga do Arquiteto(1987) O Livro de Cabeceira (1996) e Zoo: um Z e dois Zeros (1985).
Nesta conferência, Greenaway enfocou as quatro grandes tiranias cometidas pelo cinema: texto, enquadramento, ator e câmera. Para ele, o cinema que assistimos atinge o estado de "livros ilustrados", já que se limita a contar ou narrar uma história. Segundo ele, qualquer que seja o filme, ele nos traz de volta às livrarias. Em seu artigo 105 anos de cinema ilustrado, o também escritor sugere que Griffith poderia ser apontado como sendo o grande responsável por direcionar o cinema nessa via da narrativa, já que escravizou o cinema ao romance do séc. XIX.
Para o diretor, o cinema deveria ser composto somente de imagens, jamais de texto, exemplo disso se encontra em sua recente trilogia The Tulse Luper suitcases (2003-2006), na qual o artista proporciona um verdadeiro show de imagens. Tais imagens estão, certamente, entre as mais belas do cinema. A sétima arte precisa, segundo Greenaway, de imagens e não de narrativas. Nesta trilogia, a tirania do texto é substituída pela tipografia nas cenas, os personagens são interpretados por diferentes atores e há ainda a inserção, na tela, de diversas janelas que o diretor abre, nas quais o passado coexiste com o futuro, uma verdadeira proliferação de imagens, segundo sua idéia de "multiplicidade de telas".
Para o autor, por um lado, o cinema clássico deve acabar, mas por outro lado, Greenaway defende a invenção de um novo cinema, tema recorrente em seus ensaios. É preciso, segundo ele, aproveitar esse declínio no qual o cinema está mergulhado para promover uma revolução. Essa idéia inovadora de Greenaway poderá lançar luz a um novo cinema, a um cinema porvir.
O cineasta deverá retornar ao Brasil, ainda este ano, ele será o convidado de honra do 16º Festival Internacional de Arte Eletrônica Sesc Videobrasil, que acontecerá em São Paulo entre 30 de Setembro e 25 de outubro. Greenaway fará uma mixagem de imagens ao vivo, o Five-image, segundo informou Tereza Novaes (Folha de S. Paulo, 09/07/2007 Ilustrada E3) e segundo Marcelo Silva, o diretor deverá também iniciar seu novo filme que será rodado em São Paulo. Para ler mais sobre essa conversa acesse: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI1748528-EI6791,00.html
Para maiores informações sobre o evento, acesse: http://www.fronteirasdopensamento.com.br/.

quarta-feira, 4 de julho de 2007

Retratos do tempo

Ao lado, detalhes das fotos impressas no tapete. Fotos Um olhar a cada dia.
Está em cartaz, na Fundação Calouste Gulbenkian, a individual Atemporalidade de Lia do Rio. A artista imprimiu, no avesso de um extenso tapete, diversas fotografias em preto e branco de mulheres com crianças. As fotografias retratam mães com filhas e correspondem a uma mesma árvore genealógica, de modo que vemos impressas imagens de seis gerações coexistindo ao longo do tapete. Percebe-se, apesar do tratamento dado às imagens, a diferença entre passado e futuro, através das vestimentas e dos penteados utilizados nos retratos. Todavia há uma coexistência virtual do passado com o futuro, nesse sentido intempestivo, atemporal, e não cronológico, na medida em que todas as imagens são impressas lado a lado, como se o tempo tivesse sendo esculpido através dessas imagens. O território plano composto por Lia expressa, através dos retratos impressos, os dinamismos intensivos, a sensação provocada pelas forças do cosmo, que atravessam esses retratos, torna visível aquilo que estava encoberto ou escondido, e faz emergir na superfície a dinâmica das forças que a arte reclama.
A exposição fica em cartaz até 03 de agosto, na Rua Benedito Hipólito, 125, Praça Onze, na Galeria Arte Contemporânea.