terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Reencontrar o tempo

Retomar as idéias de Camus (1913-1960) que, anos atrás, um dia trouxeram algum "conforto" para os que portam uma cesura ou fissura é ser novamente levado à questão do pensamento, de quando se é tocado ou mordido por ele. Num certo sentido, essas idéias libertam o espírito e tornam sua solidão um pouco mais povoada.
Estranha é a sensação de ser mais uma vez levado, por algum motivo, a ler o mesmo autor que tanto nos fascinou, há algum tempo atrás. A experiência retirada desta leitura em muito se assemelha à de uma "menina" que há alguns anos atrás lia O estrangeiro com avidez e que se entristeceu finda a leitura, pois o livro chegava à sua última página. Não tardaria muito, essa mesma menina acabaria por se deparar, ao longo de anos, com autores que, com a mesma ou semelhante angústia, tratam de temas essenciais à vida.
Se, como afirma o autor, logo nas primeiras linhas de O mito de Sísifo (1942), o problema da filosofia é "saber se a vida realmente vale a pena", então é preciso considerar a importância da filosofia para a vida. Novamente, a questão sempre renovada da filosofia e do que nos faz pensar se evidencia nas palavras do Mestre. Percebe-se, nessas mesmas linhas, a confirmação ou a assinatura de um grande pensador, na medida em que elas nos levam a pensar. Num certo sentido, esse problema remete ainda à questão da violência do pensamento e da indiferença que o pensamento provoca inicialmente. Essa indiferença só cessa quando os problemas vêem à tona, como observa Deleuze (1925-1995).
Reconhecemos um grande pensador quando ele nos traz as questões, coloca os problemas e ainda quando, ao pensarmos que estávamos seguros, no porto, somos novamente lançados ao mar, como dizia Leibniz. "Há um desespero no mundo", já afirmava Châtelet. Esse desespero, essa angústia, ou esse incômodo é, num certo sentido, o que nos faz pensar, ou pensar de outro modo, isto é, não se conformar com o dado, porque o dado não é dado de antemão, mas é preciso construí-lo, criá-lo. É nesse sentido que o pensamento se liga diretamente à criação, como assinalava Deleuze.
O estrangeiro nos remete a um clima, a uma atmosfera, a nuvens, tempo fechado ou nublado. A mesma sensação ocorre, por exemplo, em O mito de Sísifo, porém com alguns "confetes", um ar mais suave que a aproximação com a arte às vezes traz, um clima sutil de festa, se comparado ao clima denso e intenso de O estrangeiro. É possível ver as montanhas como vemos em O estrangeiro, mas não são as mesmas, são outras montanhas e o clima, embora um pouco mais leve, continua sendo percebido na solidão que, mesmo ligeiramente povoada, parece eterna.
Já não somos os mesmos de antes, vemos, sentimos e enfrentamos novas questões, novos problemas, nos deparamos com novos afetos. A questão do pensamento e do que nos leva a pensar é novamente deslocada e se dirige agora para outros meios, outros interesses, com outro grau de importância, mas continua a povoar o deserto que somos nós.