
As vidas de duas individualidades tiveram, essa semana, sua interrupção pelo afrontamento com a morte. Acontecimento singular, no qual a vida de Antonioni, revelada por sua morte, sucedeu à morte, anunciada poucas horas antes, de Bergman.
Mesmo que a morte seja o limite de todo pensamento e de toda experiência e, ao mesmo tempo, o impensável, o inexperimentável, o inominável, o que não conseguimos olhar fixamente, ela não é um destino ou um fim, nem mesmo a deploração de nossa finitude. É enquanto impessoal que a morte acontece, se desliga do sujeito que a afeta, embora seja unicamente sua. O inexprimível eu morro se desvia para um morre-se. Nessa metamorfose do eu com o ele se encontra o moribundo da morte.
A morte só adquire sentido por revelar a vida. Uma vida se encontra em todos os lugares, em todos os momentos que atravessam os vivos, por isso não é preciso conter uma vida no momento em que ela afronta a morte universal. A vida é imanente a todos os vivos, acontecimento que atualiza e atravessa toda individualidade.
As vidas desses dois grandes mestres serão sempre atualizadas pelo legado de suas obras. O que eles nos deixaram sucederá gerações porvir e jamais recairá nesse afrontamento da morte universal.
Duas vidas, duas singularidades, cada um desses cineastas, a seu modo, transpôs magistralmente para as telas diferentes situações do sofrimento e da condição humana. Em Antonioni há uma constatação de que o eros está doente, estamos doentes de eros, como nos diz Gilles Deleuze: "o que se tornou o amor para que homens e mulheres saiam dele tão enfermos, agindo e reagindo mal no início e no fim, numa sociedade corrompida?" (Imagem-tempo). Bergman nos ensinou a extrair o melhor do sofrimento e, no seu caso, dos demônios pessoais que o atordoavam.
Esses grandes mestres podem não estar mais presentes de corpo, mas suas almas, certamente, permanecerão em suas obras. Gostaria de manifestar minha profunda gratidão e respeito pelos seus trabalhos, obrigada por deixarem tanta beleza e força, tamanha inspiração!
Antonioni e Bergman: céu vazio - aion!